Quaisquer transtornos alimentares necessitam ser diagnosticados e acompanhados preferencialmente por uma equipe multiprofissional: psiquiatras, psicólogos, nutricionistas, educadores físicos e, caso tenham conjuntamente alterações clínicas, um endocrinologista.
– O que é anorexia? O que a caracteriza?
Anorexia consiste na atitude persistente de um indivíduo em ver-se sempre acima de seu peso corporal e insistir em mantê-lo abaixo do que é adequado para sua estrutura, deflagrando uma percepção distorcida do próprio corpo.
– A anorexia nervosa é considerada uma doença?
A anorexia nervosa é considerada um transtorno alimentar e se encaixa, de acordo com a classificação médica DSM-IV, nas desordens psicológicas.
– Quais são os sinais de alerta que indicam o início do transtorno?
No início o indivíduo pode apenas apresentar uma preocupação excessiva em emagrecer, cada vez mais, e permanecer em seu baixo peso. Além disso, tem foco exagerado em número de calorias ingeridas ou valor nutricional dos alimentos, ou mesmo na maneira como sua alimentação é preparada – progressivamente faz uma negação da fome. Faz dietas muito restritivas, geralmente jejua. Pesa-se insistentemente e exagera nos exercícios físicos, tornando-se muito ativo.
É comum que os pacientes anoréticos mostrem um padrão alimentar seguindo rituais para alimentação: costumam esconder alimentos ou mentir sobre o quanto comeram, ingerem a refeição lentamente e cortam os alimentos em pequenos pedaços, mastigam e sugam somente o líquido da comida, cuspindo a parte sólida. Além de , paladar incomum, atitudes que envolvam “comer escondido” ou a negação em se comer na frente dos outros incluídas as refeições com a família.
A pessoa acometida pelo transtorno pode apresentar episódios de comer compulsivamente, dificuldades de concentração e memória, perda de cabelos e, no caso das meninas, irregularidades no ciclo menstrual. Pode, ainda, apresentar alterações de comportamento, como irritabilidade, ansiedade e depressão, além de negar-se a perceber a distorção de sua imagem corporal, mesmo sendo rodeado por pessoas que verifiquem e avisem sobre o problema.
– Quando estes sinais são notados, quais as providências devem ser tomadas?
As providências devem incluir ajuda de um profissional da saúde, se possível, com experiência no tratamento de transtornos alimentares.
– Em um grau mais avançado, quais são os sintomas?
Em graus avançados, a anorexia traz disfunções de ordens psico-comportamental e física.
As alterações da psique e do comportamento envolvem: ansiedade e depressão podendo corroborar com fobia social; alterações do ritmo do sono, levando à fadiga durante o dia; irritabilidade em excesso e instabilidade emocional, levando facilmente a perda de controlo, dificultando a interação com outras pessoas; comportamentos obsessivos-compulsivos por alimentos, alimentação, exercícios físicos e manutenção do baixo peso e possivelmente associadas a outras compulsões, como jogos, compras, bebidas alcoólicas, drogas; atitudes perfeccionistas, alto nível de exigência consigo mesmo.
As alterações físicas envolvem, geralmente, sintomas e sinais clínicos ligados à inanição. São eles: alterações cardíacas, como distúrbios do ritmo cardíaco (arritmias), a diminuição dos batimentos cardíacos (bradicardia) e da pressão arterial (hipotensão); alterações gatro-intestinais, como motilidade gástrica diminuída, constipação intestinal (prisão de ventre) e dor abdominal; alterações endocrinológicas, como distúrbios do ciclo menstrual (chegando a alterar a fertilidade), diminuição da densidade mineral óssea (rarefação e fraqueza dos ossos), alterações hormonais, por exemplo, a diminuição do funcionamento normal da tiróide; deficiência de potássio, pela modificação da função renal e desequilíbrio dos eletrólitos do sangue, pelo vômito; anemia; menor imunidade, ocasionando maior risco de infecções; intolerância ao frio; redução da massa muscular; pele seca e sem viço, de coloração mais amarelada; unhas fracas e quebradiças; perda de cabelos, que se tornam finos e quebradiços; problemas dentários, devido ao ambiente ácido bucal mantido pelos vômitos.
Após o diagnóstico é estimado que possa haver até 6% de mortes, nos casos mais sérios.
– Como é feito o diagnóstico?
O diagnóstico é baseado, exclusivamente, nos critérios clínico-comportamentais: recusa em manter o peso corporal dentro da faixa aceita como adequada para a idade e a estatura; peso corporal menor que 85% do peso mínimo esperado para aquela pessoa ou perda superior a 15% de seu peso mínimo adequado; medo intenso de ganhar peso ou de se tornar gordo, mesmo estando em seu peso adequado; auto-imagem distorcida e perda de peso não aceita ou não reconhecida; alterações no ciclo menstrual de mulheres, por pelo menos três períodos ovulatórios consecutivos, ou com menstruações só ocorrendo após administração hormonal.
– Como é o tratamento?
O tratamento deve ser, preferencialmente, realizado por uma equipe multidisciplinar. Esta equipe pode ser composta de psiquiatra, psicólogo, clínico e nutricionista, devido à complexa interação que existe entre as alterações emocionais e fisiológicas dos transtornos alimentares. Envolve suporte psicoterápico, nutricional e medicamentoso.
– O tratamento é feito com algum tipo de remédio? Esses remédios podem viciar?
O tratamento pode ser realizado com medicamentos. Não existem remédios específicos para controlar ou modificar a auto-imagem distorcida ou diminuir o desejo de perder peso, mas medicamentos que podem melhorar o quadro clínico, como antidepressivos inibidores da recaptação da serotonina (usados com cautela e monitorizando a diminuição do apetite); antidepressivos tricíclicos, usados pelo efeito de ganho de peso.
Essas medicações sempre devem ser prescritas pelo médico, que, em acompanhamento de suas dosagens e controladas pelo profissional da saúde, não causam dependência química.
– Como deve ser o cardápio de uma pessoa que sofre de anorexia?
Os pacientes anoréticos têm o apetite normal, mas se recusam a comer. Não há nenhuma dieta ou cardápio exclusivo ou infalível para esses indivíduos. No cotidiano, a alimentação não deve ser forçada. No entanto, se houver risco para a saúde e/ou desnutrição, torna-se necessária a internação e fornecimento de alimentos líquidos por uma sonda naso-gástrica, garantindo a reposição de nutrientes, nos casos mais graves.
– A recuperação demora quanto tempo?
É muito variável – não há limite de tempo determinado. Em casuística americana, 77% dos acometidos reportam a duração da doença de um a 15 anos. Destes, 30% ficam de um a cinco anos, 31% de seis a 10 anos e 16% contam duração de 11 até 15 anos. Somente 50% dos estudados foram curados.
Mesmo com estudos, há também casos de indivíduos que têm um único episódio da doença na vida. Não se pode prever a recidiva, ou seja, o retorno da doença.
– Anorexia e bulimia costumam vir associadas?
Sim, podem estar associadas. A classificação da anorexia nervosa admite dois subtipos: o restritivo, quando o indivíduo restringe severamente a ingestão de comida e não se utiliza de atitude purgativa para manter sua magreza; e o purgativo, quando há o uso de meios purgativos para o emagrecimento, como comer compulsivamente e descontroladamente até provocar vômitos; provocar vômitos após a ingestão de alimentos; fazer uso indiscriminado de laxantes, enemas e diuréticos para eliminar o que foi ingerido.
– Um anoréxico sente fome ou chega a um estágio em que seu corpo se acostuma à falta de comida?
Os pacientes anoréticos têm o apetite normal, sentem a mesma fome que qualquer outra pessoa. Apesar disso, recusam-se a comer e não consideram seu comportamento errado ou anormal.
– Eles recorrem a inibidores de apetite? Como é a atuação de medicamentos deste tipo?
Pode eventualmente ocorrer o uso de drogas para inibir o apetite. Especialmente no subtipo purgativo ou naquela pessoa que tem outras compulsões associadas, no caso, o uso de drogas (drogadição). Mas não é freqüente.
As diferentes medicações que inibem o apetite têm mecanismos de ação envolvendo, em uma maneira simples de explicar, a inibição de locais cerebrais relacionados à fome ou ao estímulo dos “centros cerebrais da saciedade”. Se usadas sem o acompanhamento médico adequado e em dosagens incorretas podem causar dependência ou “viciar”.
– O que acontece no aparelho digestivo da pessoa anoréxica? Os danos podem ser revertidos?
A constipação e a dor abdominal são os sintomas mais comuns associados à anorexia nervosa. A taxa com que a comida é absorvida no organismo está mais lenta. A inanição e o abuso dos laxantes podem causar desequilíbrios sérios na função normal do corpo envolvida no processo de eliminação. Enquanto espera-se que a função do fígado seja normal, há evidência de mudanças nos níveis de enzimas hepáticas, podendo contribuir para algum dano posterior.
– Caso a anorexia não seja tratada, quais podem ser as consequências?
Caso a anorexia não seja tratada pode evoluir, em cerca de 6 a 10% dos casos que requerem internações hospitalares, para a morte por inanição, pelo desequilíbrio intenso e severo dos nutrientes e eletrólitos sanguíneos e para o suicídio.
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